Microbiologia: uma ciência multifacetada
Como reflexo direto da imensa gama de áreas da atividade humana em que microrganismos estão presentes, com atividade biológica intensa e bastante complexa, a microbiologia constitui um campo de atuação profissional muito amplo e diversificado. A atuação do microbiologista pode estar diretamente ligada ao processo produtivo ou em centros de pesquisas, universidades, produzindo novos conhecimentos.
O microbiologista deve conhecer os microrganismos (estruturas celulares, nutrição, metabolismo, ecologia etc.), para entender como se dão as atividades microbianas. Com este conhecimento, ele pode atuar nas mais diferentes áreas, promovendo e/ou controlando o crescimento e manutenção de microrganismos para se obter um novo produto ou mesmo melhorar o desempenho da produção de algo já estabelecido. Outras vezes, seu trabalho é compreender melhor como se dão estas atividades microbianas, desenvolver tecnologias e metodologias para melhorar tanto a compreensão como viabilizar as tarefas de identificação (desenvolvimento de kits, por exemplo) ou de controle.
Vamos mostrar um pouco deste universo, começando pela Microbiologia Industrial.
Microbiologia Industrial:
Microbiologia Industrial é um termo amplo que abrange diferentes áreas do conhecimento com diversos tipos de atuação do microbiologista. Chamamos de Microbiologia Industrial porque estas atividades estão dentro das indústrias. Entre as várias modalidades da Microbiologia Industrial, temos:
Biotecnologia Microbiana:
Biotecnologia Microbiologia utiliza microrganismos em processos industriais com objetivo de obter produtos e ou processos de interesse comercial, ambiental e social, como por exemplo, fármacos, vacinas, componentes para diagnóstico, alimentos, bebidas, polímeros, combustíveis, produtos agropecuários e tratamento de resíduos. Nesta área o microbiologista necessita conhecer o microrganismo produtor (ou consórcio de microrganismos, como, por exemplo de tratamento de resíduos) e o processo em detalhes: as vias metabólicas que levam à biossíntese do produto, e todas as condições para a produção em larga escala. Entre suas responsabilidades podemos citar aquelas relacionadas à avaliação do processo, estudos contínuos de otimização destas condições. Outro aspecto deste trabalho diz respeito ao microrganismo produtor, que pode incluir o melhoramento genético das linhagens, seja por procedimentos de mutagênese e seleção das cepas ou através de trabalhos de engenharia genética. De fundamental importância é o desenvolvimento de procedimentos de manutenção das linhagens produtivas.
Qualidade Microbiológica de produtos industrializados:
Assegurar a qualidade microbiológica de produtos constitui outra área onde o microbiologista atua em laboratórios executando análises microbiológicas de matérias primas e produtos acabados de acordo com legislação específica, ou avaliando eficácia de desinfetantes, sanitizantes ou conservantes, fazendo doseamento microbiológico de antimicrobianos, além de estabelecer estratégias para garantir a qualidade microbiológica do ambiente fabril e sistemas de água industrial.
Pode ser subdividida segundo tipos de produtos que tenham particularidades em relação ao risco microbiológico: produção de medicamentos, alimentos, cosméticos e produtos de higiene pessoal, domisanitários (incluindo saneantes, detergentes para diferentes finalidades, ceras, limpadores em geral), entre outros produtos. Podemos também incluir aqui produtos como papel, couro, madeira, e todo tipo de material suscetível à deterioração microbiana.
Microbiologia de Alimentos:
Aqui estamos nos referindo não exatamente ao trabalho de controle da qualidade da produção de alimentos, mas como a ciência que estuda os microrganismos de interesse em alimentos, ou seja, aqueles que habitam, crescem e contaminam os alimentos, sejam os que causam a deterioração ou os patogênicos, causadores de infecções ou intoxicações. Não sendo produtos estéreis, os alimentos constituem objeto importante de estudo da inter relação entre os componentes de microbiotas específicas que podem ser bastante complexas.
Podem incluir microrganismos benéficos como os probióticos com importância crescente na ciência dos alimentos. Esta área da Microbiologia inclui também microrganismos que estão envolvidos na produção de alimentos, como queijos, iogurtes, pães e outros alimentos e bebidas fermentados.
Biodeterioração de materiais:
Esta área da microbiologia estuda as transformações que podem ocorrer nos mais diversos tipos de materiais, provocadas por microrganismos. Bactérias, fungos, algas, musgos, entre outros provocam deteriorações em materiais como papel, madeira, cerâmica, argila, gesso, concreto, etc.. Área de fundamental importância para se estabelecer estratégias de preservação de construções, incluindo monumentos e documentos históricos.
Esta área de estudo da microbiologia inclui a biocorrosão. A indústria globalmente tem perdas anuais na casa de bilhões de dólares provocadas por corrosão de sistemas industriais provocados por microrganismos (MIC ou Microbial Induced Corrosion). Sistemas de água industrial, trocadores de calor, torres de resfriamento, em produção de papel e celulose, tintas, petróleo, metalworking, estão entre os sistemas susceptíveis a estes problemas, e que cada vez mais tem contado com o trabalho em campo de microbiologistas.
Papel do Microbiologista na Indústria: um novo paradigma
Ou
Examinando o papel do microbiologista: o que há de novo?
Produtos podem contaminar-se com microrganismos...
A contaminação de produtos industrializados não estéreis por microrganismos indesejáveis constitui um dos maiores riscos para a indústria e para o consumidor, com impactos sobre o produto, segurança do usuário e imagem da empresa. Do ponto de vista da saúde pública, os riscos vão desde a deterioração do produto (perda de eficácia, alterações na composição) aos danos à saúde como infecções e intoxicações. Os custos também são imensos, incluindo despesas com recolhimento do produto, destinação adequada, substituições, eventuais indenizações, além do custo de recuperação da credibilidade e da reabilitação da imagem da empresa.
Para prevenir-se de eventos de contaminação microbiana as empresas farmacêuticas, cosméticos e produtos de cuidados pessoais, produtos de limpeza, entre outras, estão aderindo a regulamentações rigorosas e procedimentos de qualidade robustos, cada vez mais exigidos por agências reguladoras.
O controle de qualidade microbiológico é parte essencial do processo de produção farmacêutica e de cosméticos, permitindo às empresas salvaguardar a qualidade e segurança de seus produtos. E para que seja efetivo, é fundamental que se compreenda as particularidades desta área, e para isso, é imprescindível a atuação de profissionais competentes.
Características únicas da contaminação microbiana, como capacidade de replicação, metabolismo, influência de fatores ambientais, além de stress e danos celulares, juntamente com a heterogeneidade da distribuição dos contaminantes no meio, geram um nível de variabilidade nos resultados microbiológicos que não encontra paralelo em outras áreas do controle de qualidade, como o físico e químico. Adicionam-se a estes fatores, intrínsecos a sistemas biológicos, importantes dificuldades técnicas: as metodologias usadas hoje nos laboratórios são as mesmas desenvolvidas nos primórdios da microbiologia, baseadas em crescimento microbiano. Somente este fato impõe duas limitações, a primeira delas relacionada ao tempo necessário para obter-se um resultado, o que dificulta o uso dos resultados para tomada de ações. Os resultados microbiológicos têm quase sempre uma importância retrospectiva. A segunda se refere ao fato de que muitos microrganismos não se desenvolvem em condições de laboratório (microrganismos viáveis não cultiváveis). Estudos de metagenômica estimam que estejam devidamente descritos e conhecidos cerca de apenas 12% das bactérias existentes na biosfera.
Neste cenário, o velho paradigma do teste do produto final, o mito da análise que assegura a qualidade microbiológica não é mais adequado. Esta abordagem está sendo mudada e substituída por conceitos e princípios de ?avaliação de risco microbiológico?, que visa estabelecer um ?estado desejado? de desenvolvimento e produção de medicamentos não estéreis e cosméticos que tenha altos níveis de consistência para atender aos objetivos de eficácia, pureza e segurança.
Com isso o microbiologista na indústria passa a cumprir um papel estratégico, devendo estar criticamente integrado a diferentes áreas, da pesquisa e desenvolvimento (P&D) à produção, para assegurar que os níveis de qualidade e segurança sejam alcançados. Suas funções incluem a capacidade de identificação da origem da contaminação microbiológica, compreensão de condições e parâmetros para proliferação e sobrevivência para continuamente melhorar conceitos e práticas para proteção, exclusão, redução ou destruição de entidades microbianas contaminantes. A microbiologia cruza múltiplas áreas críticas tanto de desenvolvimento como de produção, como controle do material, formulação,processos de manufatura, embalagens, monitoramento ambiental ede pessoal, etc.
Para efetivamente cumprir este papel, a formação do microbiologista, além da biologia, bioquímica e ecologia, deve incluir conhecimentos de química, física e estatística, que lhe permitam ter domínio sobre processos de controle de crescimento microbiano como conservação, sanitização, esterilização e validações das metodologias. Novas metodologias, com novos princípios não dependentes de crescimento estão sendo discutidas e desenvolvidas no âmbito das farmacopéias e agências internacionais, constituindo um campo amplo e sofisticado de possibilidades, que igualmente devem estar incluídas no rol de interesses do microbiologista.
Este cenário de mudanças radicais de atribuições que o microbiologista enfrenta hoje deve estar acompanhada de ferramentas que lhe permitam formação e atualizações adequadas. É um longo caminho, que a SBM está se comprometendo a começar a trilhar, oferecendo uma gama de opções de cursos, ?worshops?, seminários voltados para o profissional que atua em controle microbiológico na indústria.